Trabalhar em casa é um troço complicado. Quem não viveu essa experiência diz que adoraria acordar a hora que quisesse, não pegar trânsito, não ter que se arrumar, maquiar, pentear para ir trabalhar. Sim, a autonomia existe, mas não é bem assim. É preciso muita, mas muita disciplina para não correr para a televisão, a geladeira ou o quintal com aquele solzão cobrindo o gramado toda vez que o cansaço bate.

Em todo caso, nos dias em que não dou aula e trabalho em casa, tento me policiar. O problema é que não suporto silêncio. Desde criança, estudo, leio e escrevo com a tevê ligada. Preciso de um barulho externo para me concentrar. Do contrário, meus pensamentos tomam conta da cabeça e não consigo prestar atenção em texto, dicionário ou gúgou nenhum. Sofro da mente, penso em ritmo louco.

Sorte minha atuar com tradução audiovisual. O barulho já faz parte do pacote, não tem como desassociar. Horas a fio ouvindo gente falando, falando, falando e não tenho o compromisso de responder, dar opinião ou conselho.

Juntando lé com cré aqui na minha cabeça (tá vendo: sem barulho externo agora) acho que li “Cantiga de Ninar”, do Chuck Palahniuk, num momento bem oportuno da minha vida quanto a barulheira, caos, intolerância, pensamento e poder das palavras.

Esses barulhômanos. Esses calmófobos.

E hoje vou terminar de assistir “Choke – No Sufoco”, adaptação para o cinema do livro do “Mr. Chuck-o-cara-que-escreveu-Clube-da-Luta.”

Vi o começo, sem querer dublado (porque meu namorado sempre acha que configurou, mas não configurou os idiomas) e dei um pulo quando o narrador falou: “Tchâc”, No Sufoco".
Não! Não gosto do Chuck, o Brinquedo Assassino. É “Tchôuc”! rs . (Hum... talvez confundiram com o nome do autor! Mas o difícil é falar o sobrenome, não o first name...)

(Rapidinha: nas traduções para narração e dublagem, é uma regrinha comum da empresa para qual presto serviço colocar na frente de nomes e palavras estrangeiras uma transcrição fonética aportuguesada para que o narrador leia direitinho. Acho correto.
Traduzi uns episódios de “Paranormal State”, mistura de reality show e documentário sobre paranormalidade, e um dos personagens chama Chip Coffey (tchíp cófi). Mesma pronúncia de “café barato” em inglês. Ô dó.)



Conheço tradutores músicos, micro-empresários, cozinheiros, pintores, fotógrafos.

Veja bem: são tradutores que se enveredam por outras áreas, e não o contrário.

Nas conversas entre tradutores sempre surge um assunto paralelo em que cada um revela sua paixão, afinidade ou conhecimento profundo de outra coisa que não linguística. Acho isso extremamente válido em termos de aquisição de bagagem e, desde os tempos de faculdade, tenho a sensação de que o pessoal da Tradução (em especial, mas que se estende para Letras e afins) sempre está aberto para intercambialidades. Embora tivessem escolhido a Tradução como profissão ou norteador acadêmico, meus colegas de curso invariavelmente tocavam em bandas, eram cartunistas, faziam tapeçaria, davam aula de ioga, promoviam e lucravam com festanças universitárias, pintavam e bordavam, literalmente.
Quanto a mim, já me aventurei a ser dona de brechó e sócia de estúdio de tatuagem - sem nunca cogitar abandonar a Tradução.

Hoje, por meio de uma comunidade do Orkut, conheci o blog de um tradutor madrilenho que, segundo o próprio, usa os quadrinhos para dar vazão a sentimentos aflorados pela profissão. Seu alterego é o Mox, “tradutor jovem, porém altamente graduado, com dois PhDs, seis idiomas e que raramente ganha o salário mínimo.”

O blog é um exemplo dessa faceta suave ou escancarada de profissionais que não se amarram à ideia de que ter prazer em fazer algo diferente do que o diploma – ou o rumo que a vida toma – nos diz pode macular seu comprometimento com o bom exercício no seu ganha-pão.