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Origada a Daisy Serena e a Jana Lauxen pelo convite e a chance de falar um pouco sobre Tradução.

Não é sempre que entro em fóruns on-line de tradutores, salas de discussão e comunidades sobre tradução em sites como o Orkut. Meu nome pode até estar lá, mas não participo ativamente. Gosto apenas de ler, absorver experiência dos profissionais mais antigos e conhecer as dúvidas dos mais novos, que podem ser as mesmas que as minhas.

O motivo é que sou capaz de passar o dia fuçando em tudo, entrando em links, conferindo citações e pesquisando nomes e conceitos que ainda desconheço, e isso é uma coisa que o freelancer com prazos de entrega apertadíssimos não pode se dar ao luxo sempre que tiver vontade. Mas não sou de ferro e vez ou outra lá estou eu, deliciando-me com a enxurrada de informações que um grupo de tradutores despeja quando se reúne, e notei que alguns tópicos são recorrentes. Notei e anotei.



Tenho mania de fazer listas. Top 5, Top 10, Top 234, os mais-mais de tudo um pouco, igual àquele personagem do Nick Hornby.

Desta fez, fiz uma listinha das coisas que sempre aparecem em uma conversa entre tradutores: quais as maiores dificuldades do nosso ofício e o que o público e clientela em geral pensam da gente.Traduzindo em números (com o perdão do trocadilho), a reclamação geral dos participantes de fóruns e afins é:

58% - Altos e baixos na oferta de trabalho.
O ofício de traduzir é ingrato no que se refere à estabilidade. A maioria dos tradutores freelance que conheço tem uma segunda atividade remunerada, geralmente com carteira assinada e na área da educação. É o que lhe garante férias, décimo terceiro salário, hora extra, descanso remunerado e outros direitos.Assim, a captação e renovação de clientes é uma luta cotidiana – quem não é visto não é lembrado – e, na prática, já houve épocas em que fiquei sobrecarregada de trabalho, e outras, a espera de um job se tornou angustiante. O profissional infelizmente não pode prever como será o mês e quanto vai faturar – a não ser que, mesmo não sendo contratado, ele tenha um volume fixo ou constante de trabalho. É o meu caso com a legendagem.

24% - A “má educação” do mercado
O cenário é o seguinte: hora do rush em cidade do interior (um quarteirão de congestionamento), quinta-feira, véspera de feriado prolongado. O celular toca, a pessoa diz: “Oi, você faz tradução? Bom. Eu QUERO que você traduza um texto de odontologia. Tem 10 folhas, mas eu reduzi o xérox pra caber mais, a letrinha tá meio pequena, mas dá pra ler tranqüilo. Então, dá pra ser pra segunda-feira? Ah: e eu não posso pagar mais do que 50,00 reais em tudo, tá?”Aconteceu comigo desse jeitinho. Dispensei o job e até hoje fico imaginando como o cidadão, possivelmente um universitário desesperado por ter deixado para última hora o trabalho do professor mais tirano do campus, se virou para dar conta do recado.Mas a falta de educação do mercado a qual os números se referem não é bem esta. Talvez por conhecer pouco ou nada sobre a natureza do trabalho de tradução e tudo o que ele envolve (pesquisa, comunicação, revisão, perícia computacional...), o cliente espera um trabalho de ótima qualidade para ontem e de baixa remuneração.Ou reclama quando o tradutor quer saber detalhes do funcionamento da máquina X para poder traduzir o manual ("Que diabos! Esse tradutor não sabe nada?").Ou reclama ainda mais quando você corrige o redator do texto original e questiona a fidelidade de certas informações tais como nomes próprios grafados errados e dados conflitantes. ("Que tradutor mais enxerido!")

18% - Outros.
Basicamente:- prazos apertados- não regulamentação da profissão- concorrência desleal (“Ah, qualquer um que saiba outro idioma sabe traduzir!”)- pagamento a longo prazo- desconto por palavras repetidas- solidão de trabalhar sozinho, sem colega para tomar cafezinho, almoçar no bandejão e discutir "Lost".

Isso tudo é fato, mas não conheço um tradutor que não seja apaixonado pelo ofício. Livin’ la vida loca.

Vale a pena ler: Olhômetro. O tipo de blog que eu queria ter escrito.

Passando pela sala esses dias, espiei o filme que passava na tevê (ligada para as moscas, culpa da minha mania de escrever com barulhos externos).
A personagem ouvia “(I’ve Got You) Under My Skin” na voz de Sinatra.

Tradução na tela: “Tenho você encravado em mim”.

Medo. Cole Porter se revira na tumba.

“Encravado” me lembra pelo e unha.

Não se trata de erro de tradução, e minha inquietação nem é essa. Outros tantos deram sua versão para o clássico (além da lenda de que a música fala de um amor ilícito). Mas que o negócio é arriscado, é.


Questão de gosto pessoal e intransferível: não me animo em traduzir letras de músicas.
Sem muita explicação. Apenas não acho que valha o esforço uma vez que, para mim,
música e letra são impossíveis de separar. Sua concepção se dá como um todo.
O que desperta sensações é o conjunto letra e melodia, seja lá em qual idioma for. Quando isolada e traduzida, a letra muitas vezes resulta em um belo texto, mas não invoca mais o mesmo sentimento.

Ruim é quando o texto fica horrível. O que é comum, dado que as rimas (ou falta de...), a métrica (idem) e coisa e tal de uma canção são particulares dela e de seu idioma, inerentes, grudadinhas, e a reprodução em outra língua gera um misto de incerteza e frustração de quem lê. O ouvinte passa a ser leitor, mas não consegue apagar a melodia da cabeça, querendo mentalmente reagrupar música e letra em outro idioma.

Não vamos, porém, confundir tradução de letra de música com adaptações de gosto duvidoso, do tipo “And I Love Her” dos Beatles, exaustivamente executada por uma dupla sertaneja aí (embora fosse de “autoria” de Roberto Carlos). Isso é encomenda para a novela das 7 e golpe mercadológico. Refiro-me à experiência de simplesmente traduzir a letra de uma canção para o seu idioma e continuar esperando que ela surta o mesmo efeito.
Algumas podem até não comprometer. Já as mais elaboradas merecem reflexão.

Ou então músicas de filmes.
Existem as categorias musicais em si. Filmes da Disney. Músicas escritas para o personagem. Músicas com o mesmo nome do filme. Filmes sobre música, e por aí vai. É uma necessidade mútua, ou que a obra visual realmente não faça sentido sem a obra de áudio. Não há como fugir, e a tradução vai acontecer de qualquer jeito – felizmente, no caso dos desenhos, sempre com muita criatividade. Adoro “Eu Me Remexo Muito”, de Madagascar. Nota 10 para o “Tá com tudo em cima”.

Voltando à cena com“(I’ve Got You) Under My Skin”:

A loira do vestido colado caminha lânguida em direção ao amado com as taças e o vinho na mão. E ela sussurra que o tem encravado nela. Ui.

*Traumas de minha infância tradutória: início dos anos 90, “Give it Away” (a do “Guibruêi, guibruêi, guibruêi náu!”) do Red Hot Chilli Peppers bomando “nas rádias”. A Bizz lança o suplemento “Letras Traduzidas”, e estava lá, nessa música:

You do a little dance and then you drink a little water
Você faz uma dancinha e depois bebe uma agüinha

Pior que escrevendo este post, decidi jogar no gúgou e constatei o eu desconfiava havia tempos: os sites de tradução copiam, sim, as traduções da finada Bizz!