Nas delícias e desgostos em ser tradutor, obviamente a remuneração pelo trabalho é um ponto que deve ser considerado quando se escolhe seguir a carreira. Contudo, disparidades nos valores de região para região, contagens em laudas ou palavras e orçamento conforme o conteúdo são alguns fatores que podem fazer o cliente decidir pelo seu serviço ou pelo serviço do concorrente - principalmente quando é o primeiro contato e ele ainda não conhece o seu trabalho. Quanto a isso, não há muito a ser feito, é um risco que se corre.

Diferentemente do braçal, a importância ou precisão do trabalho intelectual deve ser medido pelo valor que o tradutor cobra? Quem cobra mais é porque faz melhor serviço e pode se dar ao luxo de "perder" (devidamente entre aspas)oportunidades de trabalho?


Divido com vocês um post do Danilo Nogueira sobre o assunto.

Se der cara, eu ganho; se der coroa, você perde

Mais de uma vez me perguntaram se o mais correto não seria só cotarmos o preço de uma tradução depois de ter detidamente examinado o texto e determinado seu grau de dificuldade.

Seria, sim. Mas é impossível. Primeiro porque raramente temos tempo de examinar o texto com a atenção necessária. Depois, porque, muitas vezes, só se percebe a dificuldade de um texto enquanto estamos traduzindo. Terceiro porque dificilmente o cliente vai aceitar a ideia de pagar a mais por um determinado serviço porque é mais complicado, mesmo que, lá dentro do coraçãozinho dele saiba que você vai suar sangue para botar aquela obra de satanás em língua de gente.

Então, a minha técnica é a mesma do dono do restaurante aqui do lado, que vende comida por quilo: ele cobra o mesmo valor por quilo de todos os fregueses. Às vezes, toma prejuízo, quando aparece um carnívoro desbragado; outras vezes, tem lucro, porque o sujeito faz uma colina de arroz e feijão, elegantemente enfeitada com um ovo frito e um pedaço de linguiça. Na média, se sai bem.

O mesmo acontece quando coto meu preço por palavra: se o texto for fácil, saio ganhando; se for infernal, saio perdendo.

Corro um risco, claro e não é o único. Quem quer que tenha um negócio, corre riscos. Mas todo risco tem seu avesso e, por isso, onde se pode perder, pode-se também ganhar. Essa é a essência do risco: um dia é do caçador, mas o outro é da caça.

Em todo negócio, uma parte assume certos riscos de perder e, com isso, adquire o direito aos eventuais lucros, caso ganhe.

De vez em quando, um cliente me pergunta se cobro o mesmo preço pelas palavras curtas e longas; fáceis e difíceis. A resposta é que cobro pela média, que já leva em conta esses fatores.

Mas agora me surge pela frente um cliente, bom cliente, do qual até agora não tenho queixas, me propondo aquilo que outros — nenhum deles bons — que eu lhe dê um desconto para “certos serviços”. Isso significa que ele vai qualificar alguns serviços como dignos de desconto, por serem pretensamente fáceis. Mas não falou na contrapartida, que seria classificar outros serviços como dignos de um bônus, por serem pretensamente difíceis. Na verdade, mesmo que a classificação entre “fáceis” e “não fáceis” (porque ninguém falou em difíceis) seja honesta, na prática, o sistema vai resultar numa redução da média: alguns serviços, preço de sempre; outros, com desconto; na média, certamente menos.

Lembra um pouco aquela brincadeira que os palhaços faziam antigamente, que levava as crianças ao delírio: “Vamos jogar cara ou coroa. Se der carga, eu ganho; se der coroa, você perde”.

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